terça-feira, 1 de março de 2011

Os Intelectuais na Idade Média

Ø  Renascimento Urbano e Nascimento do Intelectual no século XII:

Nesse tópico Le Goff aborda o surgimento do intelectual na idade média. A supervalorização dos clérigos, que estavam no topo da pirâmide intelectual, fazia deles capazes de assumir papéis momentâneos de professores, eruditos, escritores... Intelectual. Um homem dessa definição (intelectual) aparece juntamente com o surgimento das cidades a partir do desenvolvimento comercial e industrial.
O surgimento das cidades no Ocidente no século XII não se dá de forma instantânea, contudo sabe-se que sempre houve cidades no Ocidente, mas não possuíam mais do que poucos habitantes ao redor de um líder militar, administrativo ou religioso, com uma economia praticamente de subsistência.
Inspiradas pelo Oriente, que precisava para sua vasta (em comparação com o Ocidente da época) economia, dos produtos vindos do Ocidente, começou a se desenvolver o “portus”, que seria um embrião da cidade, alojado nas laterais das cidades e com certa autonomia. Todavia, tal “fenômeno” só toma maior dimensão no século XII, modificando profundamente as estruturas sócio-econômicas da época.
Além dessas “revoluções”, houve, também, a revolução cultural, a esses “surgimentos” e “renascimento” acrescenta-se outro, o “intelectual”.
Quanto ao ‘renascimento urbano do século VIII e meados do século IX, é de difícil aceitação, levando em conta os traços quantitativos que a “noção de renascimento carrega em si”. Ou seja, um renascimento elitista, destinado à monarquia clerical um poder político-administrativo.
Os livros são tidos como bens materiais para a Igreja e não como bem espiritual. Os monges copistas crêem que o primordial é a aplicação em escrever os livros, o tempo gasto, as fadigas e os padecimentos ao escreverem, em troca do céu.
Num tempo de cultura e economia fechada, o renascimento em vez de espalhar retém. “Haverá talvez um renascimento avaro?”. (p. 33)

Ø  Modernidade do século XII: Antigos e Modernos

Segundo os intelectuais da época, por seus escritos, “moderni” está sendo usada para designar os escritores do seu tempo. Contudo são modernos que não contestam o que é antigo, mas pelo contrário imitam os antigos. Nas palavras de Pierre de Blois:

Não se passa das trevas da ignorância para a luz da ciência a não ser que se releia com um amor sempre mais vivo as obras dos Antigos. Podem ladrar os cães, podem grunhir os porcos! Não diminuirei por isso minha admiração pelos Antigos. Deles serão sempre minhas preocupações e a aurora de cada dia vai me encontrar a estudá-los.
Todavia, posteriormente verão problemas advindos da introdução na cultura Ocidental e de traços antigos mal adaptados. Mestres clérigos (cristãos) deixam ensinamentos Eclesiásticos e Agostinianos em troca de Virgílio e Platão, colocando Eneida e o Timeu como obras científicas enquanto a Escritura e os Padres ficam em segundo plano. O intelectual é um profissional com materiais básicos: os antigos.

Ø  A contribuição Greco-Árabe

No século XII, as cidades eram responsáveis pelas idéias, pelas mercadorias, os pontos de troca, os mercados e o comércio intelectual. Os produtos raros vêm do Oriente, de Bizâncio, de Damasco, de Bagdá e de Córdoba.
O árabe é um intermediário numa instância inicial. A produção cristã fica em segundo plano nos estados latinos e o Islã, antes de qualquer coisa, é uma frente militar de combate. Significa então: “trocas de golpes, não de idéias e de livros.”
Os manuscritos gregos e árabes chegam a Palermo, onde os reis da Sicília e Frederico II com sua chancelaria trilingue (grego latim e árabe). Onde os tradutores têm muito que fazer.

Ø  Os tradutores

São os pioneiros a incorporar em si esse “renascimento”. O grego não é mais entendido e a língua científica é o latim. Os textos originais em árabe, ou versões gregas e vice-versa, são traduzidos por uma pessoa ou por uma equipe (mais comum).
Uma dessas equipes é formada pelo abade de Cluny, Pedro, O venerável. Com o propósito de traduzir o Alcorão. Pedro, o Venerável, foi quem concebeu a idéia de combater os mulçumanos; não na área militar, mas na área intelectual.
O abade disse:
“Quer se dê ao erro maometano o nome vergonhoso de heresia, ou de infâmia, de paganismo, é preciso agir contra ele, quer dizer escrever...
... Procurei então especialistas na língua árabe, que permitiu esse veneno mortal infestar mais da metade do globo. “Persuadi-os, à força de orações e de dinheiro a traduzir do árabe para o latim, a história e a doutrina desse infeliz e sua própria lei que se chama Alcorão”.
Então vemos que a tradução na época era algo importante para se conhecer a força da intelectualidade. O abade na luta contra o Islã disse:
“Mas os latinos e, sobretudo os modernos, segundo a palavra dos judeus que admiravam outrora os apóstolos poliglotas, não sabem outra língua além daquela de seu país natal. Assim não lhes é possível reconhecer a enormidade desse erro nem barrar-lhe o caminho.”
Ou seja, a vitória se dá no campo intelectual e não no campo militar. Mas para completar as lacunas deixadas na cultura Ocidental pela herança latina; necessitou-se da filosofia, as matemáticas, a astronomia, a medicina, a física, a lógica, a ética... Enfim, o método. Além da contribuição árabe com a aritmética e a álgebra, botânica, agronomia e alquimia.
Daniel de Morley, sedento de conhecimento, parte para Paris e vê uma estrutura decadente, enquanto suas vizinhas eram zonas de trocas desses conhecimentos Greco-árabes. Que fará mais tarde da França a primeira herdeira Greco-romana.

Ø  Paris: Babilônia ou Jerusalém?

Dentre todos esses centros de comércio e idéias, Paris é o “mais brilhante”. Repleta de mestres e estudantes, que possuem uma enorme independência. Professores, monges de várias denominações em suas catedrais e templos. Além de uma explosão do ensino teológico, também ao ramo da filosofia.
Paris seria um farol para os intelectuais e um túmulo para outros, onde se misturam a perversidade dos espíritos e a depravação filosófica. “Paris é a Babilônia moderna”.
Pierre de Celle diz:
“Ó Paris, como sabes arrebatar e frustrar as almas! Há em ti redes dos vícios, armadilhas dos males e flechas do inferno que perdem os corações inocentes...”
Sendo ponto de referência, Paris está inundada de todos os tipos de conhecimento; a partir de então os intelectuais urbanos se introduzem na cultura Greco-árabe, possibilitando o Ocidente tomar força intelectual. Fazendo, assim, que o espiritualismo monástico do Ocidente se voltasse para o misticismo do Oriente.
Esse processo acaba fazendo que os monges se retirassem do caminho e gerou uma crise interna entre os clérigos. E Paris de cativeiro – Babilônia – se torna a cidade prometida – Jerusalém – com a beleza e a eloquência que possui a ciência.

Ø  Os Goliardos

Nesse frenesi que vivia Paris, vem a tona um grupo que foi nomeado de Goliardos – inimigo de Deus -. Grande parte desse grupo está encoberto pelo anonimato e pelas lendas. Eles foram tratados como clérigos errantes, vagabundos, lascivos, boêmios; como também com ternura por outros.
Mas em geral, trataram-lhes com desprezo como arruaceiros e desafiadores da Ordem. Isso provocou, também, em muitos um sentimento diferente; vendo-os como revolucionários e simpatizavam com seus modos. Bastante contraditório, não?

Ø  A Vagabundagem Intelectual

A reminiscência dos goliardos traz a tona algumas características conflitantes ao sistema feudal, que imperava na época.
Considerados, ou até mesmo de fato eram: excluídos das estruturas sociais, eram um escândalo para as tradições da época. Fugitivos, estudantes pobres, criados domésticos dos afortunados ou mendigos; essas são as diversas situações em que eles se encontravam.
Buscando de cidade em cidade, migalhas de ensinamentos de alguns mestres, caracterizando a “vagabundagem intelectual” em seu jeito aventureiro, impulsivo e atrevido. Mas não é uma classe formada.
Trocaram os exércitos, as cruzadas, por essa vida. “O sonho deles é um mecenas generoso, uma gorda prebenda, vida folgada e feliz”.

Ø  O Imoralismo

Os mesmos personagens dos dois últimos tópicos, também é o desse.
A sociedade, principalmente os mais conservadores, os considerava imorais, devido ao seu estilo de vida. Jogo, vinho e amor, faziam parte desse estilo. Em suas próprias palavras:
... A beleza das moças feriu meu peito.
As que não posso tocar, eu as possuo de coração...

... Criticam- me em segundo lugar pelo jogo. Mas assim que o jogo
Me deixou nu e de corpo frio, meu espírito se aquece...

... Quero morrer na taverna
Onde os vinhos estejam próximos da boca do moribundo,
Depois os coros dos Anjos descerão cantando
‘Deus seja clemente com esse bom bebedor’...
Apesar de toda sua contribuição, os ensinamentos deles iam contra a moral natural daquela época. Queriam ser livres dos costumes, em linguagem e de espírito, mas chegam a ser libertinos.

Ø  A Crítica da Sociedade

As poesias goliárdicas, criticavam os representantes: eclesiásticos, nobres e até mesmo camponeses. Na Igreja preferem os “maiores”: o papa, o bispo, o monge.
Tal inspiração “anti-romana” dos goliardos é misturada com duas correntes: a gibelina, que “ataca, sobretudo as pretensões temporais do papado e apóia o partido do Império contra o sacerdócio”. Outra corrente é a mobilizadora que “critica no pontífice e na corte de Roma os compromissos com o século, o luxo, o gosto do dinheiro”.
O antigo comprometimento com a nobreza por parte da igreja se volta agora para os comerciantes. A partir desse ponto, o clero sofre constantes ‘bombardeios’ goliárdicos, para essa questão social da época.
Além dos nobres e clérigos, também despreza o camponês mais rústico e o considera: “miserável” “boçal” “maldito” “patifes” “mentirosos” “detestáveis” “infiéis”... O militar também era alvo para os goliardos.
Os goliardos expressavam sua disputa de gêneros segundo a afirmação de Le Goff, que diz:
Os goliardos crêem que o melhor modo de expressar sua superioridade frente aos feudais, é vangloriar-se dos favores de que gozam junto às mulheres. Elas nos preferem, o clérigo é melhor no fazer o amor do que o cavaleiro.
Contudo os goliardos foram empurrados à marginalização intelectual. Apesar de seus ensinamentos produzirem grande discussão, eles foram extintos no século XIII.

Ø  Abelardo

Considerado como a primeira grande figura de intelectual moderno (século XII). Bretão de Pallet do ano de 1079, pertencente à pequena nobreza.
Pedro Abelardo, desiste do ofício militar para dedicar-se à estudos, além de combates ideológicos e discussões apaixonadas que brotavam dele. Então era um guerreiro da cruzada intelectual, que é levado a Paris, onde promove mais críticas. O fruto das críticas o tornou mestre e seguido por pessoas a ouvi-lo. Abelardo adoece e sai de atuação para se recuperar na Bretanha, mas ao se restabelecer volta para Paris, reiniciando suas críticas.
Abelardo critica o maior mestre da época e o supera, tomando assim o seu lugar e se propõe estudar teologia com o maior teólogo da época: Anselmo. Contudo Abelardo achava Anselmo um homem vazio e de pouco conteúdo, com mais aparência do que inteligência; então resolve deixá-lo.

Ø  Heloísa

Abelardo já é um homem de meia idade com 39 anos e só conheceu o amor dos livros. Abelardo toma conhecimento da existência de uma menina de 17 anos, sobrinha de um confrade, bonita e culta. Para ele, ela era perfeita. Elaborou um plano de tê-la como aluna e consegue. Passa então a morar na casa da menina e entrega-se à paixão. Começam a se aventurarem um com o outro até serem surpreendidos. Abelardo tem que partir... Mas mantêm contatos secretos com Heloísa. Heloísa engravida então Abelardo, na ausência do confrade, leva a menina para a Bretanha, na casa de sua irmã, onde Heloísa dá a luz. Abelardo decide assumir seus atos e volta a casa da menina desejando se casar para a honra da família.

Ø  A Mulher e o Casamento no Século XII

Existia uma forte ideologia antimatrimonial no século XII. Para os goliardos a reivindicação – casamento – dos prazeres da carne servia de ilustração aos clérigos. “O intelectual tem a necessidade da mulher ao seu lado para se completar”.
Heloísa tenta convencer Abelardo a desistir do casamento, dizendo: “Não poderás ocupar-te com o mesmo cuidado de uma esposa e da filosofia”. Abelardo, contudo, recusa a aceitar a idéia de Heloísa e se casa em secreto. Porém tal ato gerou “mexericos”, que forçou Abelardo a planejar um meio de acabar com essa situação.
Heloísa seria levada a um convento até acabarem os rumores, mas Fulbert, o confrade, não acreditou nesse plano e mandou punir Abelardo com a castração.
Abelardo se põe na Abadia de Saint-Denis, onde queria esconder seu escárnio, mas sempre mantêm contato com Heloísa, que era sua eterna amante.

Ø  Novos Combates

Curado pela paixão intelectual, Abelardo volta à ativa intelectualidade e sua solidão é retirada pelos discípulos que o pede para retomar as aulas. Assim, Abelardo escreve seu primeiro tratado de teologia, para eles.
Reúnem um concílio para julgar Abelardo. Por fim o livro é queimado e Abelardo é condenado a passar o resto dos dias em um convento. Abelardo acaba fugindo e encontra esconderijo junto ao bispo de Troyes. Consegue um terreno pequeno onde se instala solitariamente em um oratório dedicado à Santíssima Trindade. Mas seu abrigo é descoberto e novamente os discípulos tiram sua solidão. Constroem uma aldeia escolar e o oratório é ampliado.
São Norberto e São Bernardo tramam contra Abelardo. E a perseguição dá a idéia de fugir para o Oriente. Abelardo é, então, aleito abade do mosteiro bretão. E as perseguições continuaram...

Ø  São Bernardo e Abelardo

Encabeçando seus inimigos, São Bernardo, campeão das armas de guerra, mas distante da cruzada intelectual, por isso sempre usa da força. São Bernardo então se encontra prontificado a combater as inovações “perigosas”. “Um grande inquisidor antes da Inquisição”.
Um antigo inimigo de Abelardo incita São Bernardo à combatê-lo, denunciando o “novo teólogo”. São Bernardo então vai a Paris e vê o “mal” causado por Abelardo.
Um dos discípulos de Abelardo propõe uma assembléia entre os bispos, teólogos e São Bernardo. Contudo São Bernardo transformou-a em concílio e julgam Abelardo como um “herege perigoso”, forçando Abelardo a apelar para o papa, mas São Bernardo agiu antes e conseguiu autorização do papa e os livros de Abelardo foram queimados.
Abelardo viaja para Cluny, onde Pedro, o Venerável, o reconcilia com São Bernardo e obtém o cancelamento da sua excomunhão.
Pedro Abelardo morre no convento de Saint-Marcel em 21 de abril de 1142.


Ø  O Lógico, O Moralista e O Humanista

Abelardo foi um lógico devido à filosofia e deixou um método. Grande dialético. “Todo o esforço da lógica deve consistir em proporcionar essa adequação significante da linguagem com a realidade que ela manifesta”.
Foi também um moralista, conhecedor da ética e sua importância. Contribuiu ricamente na subversão do sacramento de penitência para a “contrição do coração”.
Bradou a união da razão e da fé. Superando grandes teólogos como Santo Tomás e Anselmo.


Ø  Chartres e o Espírito Chartriano

Chartres é o centro científico da época, muito competente no Trivium (gramática retórica e lógica); mas preferia o Quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia).
Esse é o norteamento chartriano; curiosidade, observação, investigação e tudo mantido pela ciência Greco-árabe.
São exaltadas figuras do passado, símbolos do saber como; Salomão, Alexandre, Aristóteles, etc.
Contudo o espírito investigador vai se contrapor ao espírito racional dos chartrianos. A ciência tem que transpassar os fenômenos e aparências para penetrar as realidades.

Ø  O Naturalismo Chartriano

Pensa-se na força totalizadora da natureza. A natureza é criadora, é infinita de recursos eternos. Mas além dessa força, a natureza possui raciocínio.
Outro importante elemento é o otimismo, racionalizar o mundo. Ainda percebe-se uma antagônica discussão no quesito Natureza e Deus. Contudo valoriza-se o caráter racional da criação do mundo.

Ø  Humanismo Chartriano

Chartres coloca o homem na essência de sua ciência, filosofia e uma possível teologia. “O homem é o objeto e o centro da criação”.
É no homem que se atua a fusão da razão com a fé, que é fundamental para a época.
Os gregos e árabes contribuíram grandemente com esse espírito de racionalismo humanista.
Esse homem dotado de razão, compreensão da natureza e dele próprio, racionalmente unido a fé pelo Criador; é considerado pelos chartrianos como a integridade perfeita à ordem do mundo. O homem estava sendo homem.



Por Bruno Drumond Oliveira

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